Depois de mais algumas páginas dessa magnifica história e de dar umas boas risadas e derrubar umas lágrimas com o filme "A Proposta" fui pra casa...
Caminhei pelas ruas sentindo o vento que me dilacerava mas ao mesmo tempo confortava o tão inquieto pulsar do meu coração.
Era perto das dez quando no caminho apreciei a chuva fina que caia e molhava meu corpo deixando a roupa gelada mais colada a pele. Um arrepio percorria toda a alma...e eu me entregaria as minhas fantasias e lágrimas com desespero...desejo e paixão.
Chorei por mim..."odeio desejar todos os dias...da hora que abro os olhos a hora que vou dormir"...eu disse.
Embalada pelo silêncio deixei meu travesseiro molhado até que os olhos pesaram mais do que o que eu poderia suportar para deixa-los abertos...adormeci.
Rezei por mim...
Hoje me despeço de Alfonso (Fonchito), Lucrécia, Rigoberto e talvez de Egon Schiele também...dos cadernos...dos devaneios...dos desejos...das loucuras.
Desejei ser apenas um personagem nas mãos de algum autor, só para ter um final feliz...senti um peso imenso de pensar que os dias passam, que as horas mudam e eu estou no mesmo lugar.
Hoje precisava andar, sem limite para os passos...ver pessoas que sinto saudade sem que nunca as tenha visto ou mesmo que elas existam como Ricardo.
Misturo realidade com fragilidade, descubro uma ficção e um sonho inexistente. As vezes me chamam por Priscila, outras vezes sou Yuki e quase nunca sou Raquel e sou todas elas...
Passeio pela vida, brinco com o perigo e ando perto do abismo esperando o melhor momento de me lançar...ganho, acerto, erro, me deixo bater...como um bicho assustado me escondo no escuro com medo do meu predador: a vida.
Me permito um mundo e pago o preço dele...Amo quem não deveria e em uma fuga constante engano a mim mesma.
Abro os olhos e me assusto com o que vejo, peço perdão pela minha ignorância e minha ausência de mim mesma, as coisas ficam cinzas e não consigo achar o que perdi e nessa busca do que nem eu mesma sei, eu deixo feridas abertas, machucados que sangram, vou ao fundo do poço...sinto dor e medo.
Uma solidão sem tamanho dimensiona meus medos e eu espero a proteção do inimigo que sem dó nem piedade me apunhala pelas costas com a maior facilidade do mundo...morro em seus braços e ainda peço perdão.
Crio os meus personagens....F. (sem dúvida um que deixará fortes saudades) me tirava de órbita, me deixava em êxtase, eu queria um café com beijo, eu queria uma conversa sobre gravata, eu queria contar do livro novo, eu queria um boa noite depois da faculdade...mas Eduardo por quem nem mesmo morta eu o esqueceria, um oi moça, uma boina vermelha, um amor pra vida e pra morte, um anjo que me salvaria e me deixaria quando a missão parecia completa, levou parte de mim, deixou parte de sí, me fez ver e acreditar, me fez voar sem ter asas e sentir prazer em ver o dia nascer e ouvir eu quero te ver, eu quero você, mas as coisas passam...outras pessoas batem na porta e eu preciso que elas entrem, me visitem, tomem café, mesmo que depois elas também precisem partir.
Pessoas e coisas passam por mim e eu anonimamente me sinto a vontade entre elas...sem deixar que percebam eu as observo, eu as admiro, eu as odeio, eu as amo. Tudo é intenso e louco.
Como em uma pintura exposta, observo meus personagens na exposição da vida...brinco com eles, mudam de lugar e por instantes sou curadora e tenho seus destinos em minhas mãos. Fabrico sonhos e desejos...devaneios e anseios...calo todos eles com um único olhar de reprovação, onde me divirto ao vê-los aos meus pés.
Pés, esses que me levam ao mar...as ondas que me chamam e me fazem ver o quão pequenina sou diante do que não conheço, dos mistérios da vida por onde não pisei...por onde sequer imagino estar e como se me acordasse, me faz ver a grandiosidade do que tenho nas mãos.
Tatiando um sonho bom, espanto meus medos e já não me sinto tão só.
Conto nuvens enquanto espero...e amo olhar a chuva...lavando corpos, limpando almas perdidas que depois de molhadas exibem seus magníficos sentidos levados pelo vento ao encontro de outras almas.
Da minha janela observo a vida que se movimenta entre as árvores de pedras, os ferimentos que pessoas que eu não conheço curam todos os dias....quantos agora choram? e eu espero apenas que sorriam.
Sinto falta da agonia fina e delicada da espera...do frio na barriga...da resposta que o corpo emite cada vez que a vida se movimenta e eu consigo enxergar todas as cores que se abrem a minha frente e me deixam flutuar e descobrir coisas como as pinturas de Egon Schiele...além de Alfonso, eu também quero saber mais sobre ele.
Comentei hoje que queria ter um café...ouvir pessoas e suas histórias, lendas...ter livros, filmes, sofás, pessoas pintando, esboçando o cotidiano como os grandes mestres que transformam suas telas em pedaços de vidas anonimas e onde revelam suas mentes, muitas atormentadas mas intensamente vividas.
Nesse café certamente estariam Rigoberto, Anne, Peter, Liesel, Rudy, Lucrécia, Fonchito, Ricardo, Daniel, Ena, Egon, Vincent, Monet, Renoir, Goya e os amigos J. A. L. S. Lu. e muitos outros...e em uma delirante apresentação todos fariam parte de um grande quadro: a minha vida.
Durmam bem...meus amores.