os sapatos ficaram no lugar, as chaves do carro no gancho da rede...e a casa foi tomada por um silêncio tão doloroso que eu jamais poderia imaginar como é.
durante muito tempo eu busquei algumas razões e sempre senti um vazio que me consumia, porém, eu sabia que meu porto seguro estava lá pra qualquer que fosse o motivo, e eu voltava pra ele sem vergonha de me aconchegar nos seus braços e não eram preciso palavras pois nossos olhos diziam absolutamente tudo.
eu não quis acreditar e desejei tanto que alguém me dissesse que era uma mentira de muito mal gosto que você estaria longe de mim, que agora meus passos seriam inseguros e solitários.
sempre achei que a solidão que existia em mim era enorme, hoje vejo o quão ela era pequena.
tomamos café naquela sexta pela manhã e não poderia imaginar que você se fosse no fim do dia.
meu orgulho, minha razão de viver...meu pai.
quem me ensinou a amarrar os sapatos, quem estava lá no meu primeiro dia de aula, quem eu esperei pra me levar na escola todos os dias na hora do almoço, quem me fazia ver os desafios menores e a enfrenta-los com coragem, quem quando a preguiça vinha me levava na escola a cinco quadras dela, quem estava lá pra ouvir sobre minhas boas notas, quem me ajudava a querer essas boas notas.
e você foi assim sempre...estava lá no vestibulinho e me aguardou na saída, esteve na minha primeira entrevista de emprego, estava no trote do colégio e sorriu ao me ver rabiscada...estava lá nos vestibulares, esteve na decisão entre arquitetura ou engenharia, esteve em todos os longos cinco anos que agora parecem tão poucos perto das ultimas horas, me surpreendeu quando eu achei que eu já não era tão notável, veio no meio do meu choro de cansaço e me perguntou do que o Fábio (o orientador) tinha dito naquela noite.
Ah! Pai. Todas as vezes que eu achei que ia morrer você esteve lá e no seu silêncio de sempre, falou mais do que muitas pessoas.
minha melhor valsa...meu melhor presente de aniversário...
comemoramos minhas vitórias, choramos minhas derrotas, o meu dez a banca, o meu sonhado trabalho em urbanismo.
eu tinha febre, mas fui buscar o tão sonhado carro...eu comemorei a carteira de motorista, era essa que você tanto desejava e agora ela era minha.
eu queria ser pequena pra caber dentro do seu armário onde estão suas roupas...nunca desejei tanto calçarmos o mesmo número de sapatos, só pra colocar meu pé exatamente no mesmo tamanho que os seus pés e tentar por eles descobrir como vai ser seguir agora assim tão desamparada como me sinto.
eu não quero falar, eu não desejo abrir os olhos, simplesmente porque quero que alguém me conte que foi só um sonho ruim, mas a cada manhã o dia me acorda roendo mais um pedaço dos cacos que vou juntando agora.
não era pra ser assim.
eu tenho medo de tomar banho quando chove demais, sempre espero passar um pouco, porque não podia mais te pedir pra tomar banho enquanto você fazia a barba.
eu continuo tendo que vencer o meu medo de sair de casa e mesmo sem pedir eu sabia que se eu precisasse você iria me buscar e como será agora?
eu carrego seus princípios e talvez muitos deles você nem imaginasse mais já que eu a caçula estou indo para os quase trinta anos.
Pai, a nossa separação foi tão rápida e está sendo tão dolorosa. Eu não estava pronta pra você partir assim.
Não deixamos assuntos pendentes, mas eu queria que você estivesse aqui pra todas as minhas próximas etapas, que agora parecem tão sem sentido porque eu já não vou ter quem se orgulhar tanto de mim.
Não sei no que tanto éramos parecidos, mas sei que éramos.
Não há em nenhum vocabulário palavras suficientes pra dizer quanto machuca essa ausência, esse vazio, esse espaço que agora nos separa.
Eu ainda precisava tanto de você. Me sinto ainda tão pequenina e agora tão sem quem possa me socorrer.
você sempre quis viver e viver muito e eu na contra mão e hoje mais do que nunca não sei se quero esse viver sem você.
que graça vai ter o pastel, o mcdonald's, o quintal ou o chocolatinho depois da janta? com que gosto fica o doce de leite sem seu carinho? não sei.
ah! e o café? impossível.
temos que aprender a sobreviver agora, temos que reaprender a andar.
perdi a referencia, o eixo, o norte da minha vida e agora estou à deriva, sem saber pra onde e como ir.
e a única coisa que pensei quando dei tchau pra você, quando coloquei em cima de você uma rosa amarela, era a representação da nossa amizade, da nossa cumplicidade e talvez de uma conversa na mesa da copa, eu desenhava e você observava e me disse, você está feliz né?! só te falta uma única coisa. Será nosso segredo...
amarrei seus sapatos na estação e esse laço jamais me separará de você.
mas vou seguir pai, esperando que um dia nos encontraremos e que por hora foi apenas um até breve e que de onde você estiver não se esqueça que eu amo você!