segunda-feira, 27 de fevereiro de 2012

Pai




os sapatos ficaram no lugar, as chaves do carro no gancho da rede...e a casa foi tomada por um silêncio tão doloroso que eu jamais poderia imaginar como é.
durante muito tempo eu busquei algumas razões e sempre senti um vazio que me consumia, porém, eu sabia que meu porto seguro estava lá pra qualquer que fosse o motivo, e eu voltava pra ele sem vergonha de me aconchegar nos seus braços e não eram preciso palavras pois nossos olhos diziam absolutamente tudo.
eu não quis acreditar e desejei tanto que alguém me dissesse que era uma mentira de muito mal gosto que você estaria longe de mim, que agora meus passos seriam inseguros e solitários.
sempre achei que a solidão que existia em mim era enorme, hoje vejo o quão ela era pequena.
tomamos café naquela sexta pela manhã e não poderia imaginar que você se fosse no fim do dia.

meu orgulho, minha razão de viver...meu pai.
quem me ensinou a amarrar os sapatos, quem estava lá no meu primeiro dia de aula, quem eu esperei pra me levar na escola todos os dias na hora do almoço, quem me fazia ver os desafios menores e a enfrenta-los com coragem, quem quando a preguiça vinha me levava na escola a cinco quadras dela, quem estava lá pra ouvir sobre minhas boas notas, quem me ajudava a querer essas boas notas.

e você foi assim sempre...estava lá no vestibulinho e me aguardou na saída, esteve na minha primeira entrevista de emprego, estava no trote do colégio e sorriu ao me ver rabiscada...estava lá nos vestibulares, esteve na decisão entre arquitetura ou engenharia, esteve em todos os longos cinco anos que agora parecem tão poucos perto das ultimas horas, me surpreendeu quando eu achei que eu já não era tão notável, veio no meio do meu choro de cansaço e me perguntou do que o Fábio (o orientador) tinha dito naquela noite.

Ah! Pai. Todas as vezes que eu achei que ia morrer você esteve lá e no seu silêncio de sempre, falou mais do que muitas pessoas.

minha melhor valsa...meu melhor presente de aniversário...

comemoramos minhas vitórias, choramos minhas derrotas, o meu dez a banca, o meu sonhado trabalho em urbanismo.

eu tinha febre, mas fui buscar o tão sonhado carro...eu comemorei a carteira de motorista, era essa que você tanto desejava e agora ela era minha.

eu queria ser pequena pra caber dentro do seu armário onde estão suas roupas...nunca desejei tanto calçarmos o mesmo número de sapatos, só pra colocar meu pé exatamente no mesmo tamanho que os seus pés e tentar por eles descobrir como vai ser seguir agora assim tão desamparada como me sinto.

eu não quero falar, eu não desejo abrir os olhos, simplesmente porque quero que alguém me conte que foi só um sonho ruim, mas a cada manhã o dia me acorda roendo mais um pedaço dos cacos que vou juntando agora.

não era pra ser assim.

eu tenho medo de tomar banho quando chove demais, sempre espero passar um pouco, porque não podia mais te pedir pra tomar banho enquanto você fazia a barba.

eu continuo tendo que vencer o meu medo de sair de casa e mesmo sem pedir eu sabia que se eu precisasse você iria me buscar e como será agora?

eu carrego seus princípios e talvez muitos deles você nem imaginasse mais já que eu a caçula estou indo para os quase trinta anos.

Pai, a nossa separação foi tão rápida e está sendo tão dolorosa. Eu não estava pronta pra você partir assim.
Não deixamos assuntos pendentes, mas eu queria que você estivesse aqui pra todas as minhas próximas etapas, que agora parecem tão sem sentido porque eu já não vou ter quem se orgulhar tanto de mim.

Não sei no que tanto éramos parecidos, mas sei que éramos.

Não há em nenhum vocabulário palavras suficientes pra dizer quanto machuca essa ausência, esse vazio, esse espaço que agora nos separa.

Eu ainda precisava tanto de você. Me sinto ainda tão pequenina e agora tão sem quem possa me socorrer.

você sempre quis viver e viver muito e eu na contra mão e hoje mais do que nunca não sei se quero esse viver sem você.

que graça vai ter o pastel, o mcdonald's, o quintal ou o chocolatinho depois da janta? com que gosto fica o doce de leite sem seu carinho? não sei.

ah! e o café? impossível.

temos que aprender a sobreviver agora, temos que reaprender a andar.
perdi a referencia, o eixo, o norte da minha vida e agora estou à deriva, sem saber pra onde e como ir.

e a única coisa que pensei quando dei tchau pra você, quando coloquei em cima de você uma rosa amarela, era a representação da nossa amizade, da nossa cumplicidade e talvez de uma conversa na mesa da copa, eu desenhava e você observava e me disse, você está feliz né?! só te falta uma única coisa. Será nosso segredo...

amarrei seus sapatos na estação e esse laço jamais me separará de você.

mas vou seguir pai, esperando que um dia nos encontraremos e que por hora foi apenas um até breve e que de onde você estiver não se esqueça que eu amo você!



sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

Carnaval


Adoro pensar no dia nascendo...um clima de esperança me toma.
E mesmo em dias como o de hoje onde uma solidão fina e franca me parte em mil pedaços me provando que caminho sozinha, que quando menos espero é que estou cada vez mais perto do abismo. 
Sinto um vento que me assopra o tempo, como se ele fosse passar sem que eu tenha como vê-lo e eu agradeço não ter como me dar conta de que parte de mim me escapa por entre os dedos porque assim só me percebo quando sou obrigada a me enfrentar de frente e me dou conta do quanto envelheci.
Busco razões no meu silêncio infantil e finjo acreditar nos meus sonhos.
Engano-me para manter minha sobrevivência e me pergunto, até quando? E sinceramente não sei a resposta, talvez ela não exista.
Me viro pelo avesso...gosto de mergulhar pra não pensar...
As luzes amareladas da cidade me fazem adormecer esperando que o próximo dia seja menos cinza que o que acabou...e como uma criança que olha pro seu móbile, eu sonho acordada ao olhar as luminárias fazendo sombras nas paredes dos prédios à minha volta e uma graça rápida acontece.
Gosto do meu silêncio gélido e melancólico. Desse silêncio que vai tomando conta do que os outros não são capaz de ver.
Esse substantivo masculino, forte como um homem, expressivo como poucas palavras de grafia suave e liberta, mas de cortes profundos.
Uma ausência de vida.
Vou me calando aos poucos, buscando razões inexistentes e respostas prontas, me esquivando das condenações alheias, maquiando qualquer que seja o traço que me coloque em evidencia.
Transformo meu desejo de liberdade em um muro de proteção a mim mesma e me coloco a cuidar dos cortes que se fazem abertos de tempos em tempos, lembrando a minha realidade.
ela disse "a solidão lhe pertence e você a escolherá para a morte", foi uma dor funda e fina mas aos poucos vou me acostumando a lhe ter como companhia constante.
Tudo vai embora, menos ela...vamos nos tornando cúmplices e quando olho pra mim em dias como hoje e ela quem me sorri e de certa forma me acolhe sarcasticamente ao me provar que estava sempre certa e que o sonho era apenas um sonho...
As vezes eu acho que sou capaz de ser mais forte que ela...é quando provo do meu mais amargo veneno e sem piedade...a solidão me faz calar e sufocar toda a minha coragem e o meu cinismo ao me julgar acima dela.
Como uma criança assustada eu me escondo, deixo minhas lágrimas verterem livres e grossas pois já não há nada o que provar, mais uma vez, ela me esmaga e me faz ver o quão ínfima eu sou.
Sem que me notem (algo que busco aperfeiçoar cada vez mais) vou permeando esse caminho sem volta, treinando esse silêncio brutal que me domina. Tenho gostado de andar e apenas me ouvir respirar...
Não é fácil olhar uma realidade que estava maquiada e que em dois meses foi capaz de me provar de todas as formas o quão pode me abater e como me deixar cair como se todos os meus ossos estivessem quebrados de uma única vez.
...esperando pela quarta-feira de cinzas...

domingo, 5 de fevereiro de 2012

uma noite qualquer...

  

Para ambos os gostos...
Misturamos ousadia e brincadeira e qualquer outra coisa longe de uma amizade que é cúmplice acima de muitas coisas se é que podemos chamar assim.
O barulho da chuva é intenso, o céu está cinza e faz frio apesar do verão que insiste em rotular a estação...
O quarto não é grande porém tem um ar acolhedor e intrigante...F. dorme de bruços, eu brinco com a sua respiração lenta, doce...sua pele está quente...
Estou sentada numa poltrona e velo seu sono, observo de longe sua pele arrepiar cada vez que um vento mais forte adentra por este ambiente cheio de magia.
Contemplo o seu descanso...F se move lentamente pelos lençóis e eu observo e praticamente só faço leves movimentos com a caneta que escrevo, que por sinal leva seu nome gravado no corpo...um presente de aniversário há  um certo tempo esquecido.
Suas roupas estão espalhadas pelo chão.Uma gravata preta está presa aos pés da cama...F também a usava.
Prometi não toca-lo, por mais difícil que isso possa parecer, cumprirei minha promessa até que ele diga o contrário.
Seu rosto ainda guarda uma expressão de menino, uma cicatriz revela uma "travessura" de infância, sua boca tem um contorno convidativo ao que meus sentidos pedem com volúpia e desejo...seus braços são fortes, seu corpo um deleite cheio de prazer.
A chuva se faz mais forte, o barulho da água que escorre pelo telhado transforma-se em música para o seu sono profundo.
Você suspira, eu apenas continuo sentindo o calor da sua pele...
O que poderia ser uma tortura, torna-se um desafio banhado pelo prazer de quem observa uma obra de arte.
Talvez Egon Schiele jamais tenha contemplado nenhum de seus corpos da forma com que faço agora.
Percebo desenhos, caminhos desconhecidos.
O tecido que cobre a pele é fino e claro, movimenta-se quando F. respira mais fundo, eu acho graça e sorrio no vazio me policiando pra não fazer barulho.
Não percebo que F. acordou e faz graça ao me ver encolhida na poltrona com sua caneta em punho e folhas rabiscadas, mas eu não desenhava, apenas escrevia  o prazer daquele momento. Os pensamentos estavam distantes...e me surpreendi com o sorriso de F.
O ambiente estava inebriado por um perfume de jasmim que se misturava ao seu perfume que eu inalava com prazer para a submissão do meu desejo.