Sinceramente não sei explicar o que senti. Tudo estava no mesmo lugar de sempre e ao mesmo tempo completamente diferente.
A pele era como uma seda fina, suave, fresca e irresistivelmente pronta para todo o tipo de carinho e carícias banhada por um misto de curiosidade e desejo, perfumada com jasmins.
Inebriada por um silencio noturno onde só a respiração acelerada era capaz de romper aquele local sepulcral de tão tênue era a linha que separava aquela solidão de uma solidez tão funda que era capaz de dilacerar como uma lâmina fina, lânguida cortando a camada mais profunda dessa pele de seda.
O corte era fundo e já não sangrava mais, mas doía como se tivesse acabado de ser feito. Os olhos piscavam disfarçando lágrimas que já se faziam grossas o suficiente para serem reveladas independente da vontade.
Uma chuva forte cai do lado de fora, sufocando qualquer que seja o som das letras, das batidas dolorosas e descompassadas dentro de um corpo que procura sem encontrar.
E tudo foi passando lentamente diante dos meus olhos.
Num piscar de olhos, os dias já se faziam mais cinzas do que antes e como uma casa sem habitantes tudo estava coberto com uma nevoa fina e entristecida.
O tempo havia corrido mais do que antes e um vazio se faria uma presença constante e dolorosa.
Senti medo mas não dor.
Me ouvi respirar e buscar um ar que estava pouco, lembre-me da infância, da inocência de coisas doces como balas, senti saudades de sonhos, senti falta de mim. Minha breve prece era o suficiente pra acalentar os desejos perdidos que a chuva levava embora.
Um esquecimento quase como um conforto me abraçava. Meus passos eram cambaleantes inebriados de uma solidão torpe que me golpeava a cada suspiro.
Eu não saberia lidar com isso. Lembre-me de Clarice, de Wether, de Ricardo e de tantos outros ausentes e como se fosse possível desejei me juntar a eles.
O ar era sombrio, o céu ameaçava mais nuvens tristes e pesadas de lágrimas alheias.
Na grande maioria das vezes as pessoas pensam que é possível conter o entristecimento...leigo engano.
Recorto meus ferimentos, cubro de panos brancos as feridas mais profundas, recolho as lágrimas que ensopam o travesseiro, escondo a palidez do meu rosto e meu corpo nada lânguido se encarrega de não mostrar a fraqueza do suportar-se em pé.
Deixo me abater numa luta que sem delongas estou farta e muito cansada para conter.
No fundo não restou nada. Recolho os cacos espalhados pela casa, colo algumas peças, deixo outros lugares vazios.
E assim mais um dia termina.